sábado, 15 de maio de 2010

EUROPA 2010 – Livros infantis


EUROPA 2010 – Livros infantis - Série de 3 selos comemorativos

"A criança enquanto tal é uma “invenção” do século XIX. Até então, as crianças eram, sobretudo, adultos em miniatura. Vestidos como adultos, tratados como qualquer coisa que não se sabia bem o quê, as crianças partilhavam com os adultos os espaços de trabalho e lazer, e uma criança de seis anos podia trabalhar no campo, na fábrica ou nas lidas domésticas – com a diferença de que o fazia sem salário ou por muitíssimo menos.
Os contos que se ouviam ao serão, nos locais de trabalho ou à lareira, eram relatos de “coisas acontecidas” ou “contos mentirosos”, maravilhosos. Nestes, tudo era possível, sobretudo o impossível, e tudo era permitido de acordo com uma lógica interna e uma “moral” muito próprias. Geralmente contados por mulheres, foram, na época do Romantismo, recolhidos por homens que acreditavam serem os contos o espelho da alma do povo. Em Portugal, Adolfo Coelho, Teófilo Braga, Consiglieri Pedroso e Leite de Vasconcelos contam-se entre os mais importantes.
Contos e lendas, muitas vezes confundidos, diferenciam-se sobretudo pelo cariz ficcional de um (conto) e pela suposta veracidade do outro (lenda), assumida com indicadores de tempo e de lugar. Naturalmente propícios a serem contados e recontados, contos e lendas facilitavam a aproximação e o convívio entre adultos e crianças, servindo por vezes intuitos pedagógicos – sobretudo os “contos de advertência”. Fortemente visuais, contos tradicionais, rimances e lendas tornaram-se os primeiros livros infantis editados com esse propósito e essa distinção em termos de público-alvo.
Os contos tradicionais possuem uma espécie de gramática própria, temas e motivos repetidos numa sequência quase sempre idêntica. Várias teorias tentaram explicar essa coincidência, umas através de migrações e encontros entre povos, outras através daquilo a que se chamou a imaginação “arquetipal”, universal.
Os contos podem ser rimados (o que ajuda a memorização e a cadência da própria história, como acontece no “Romanceiro”), sublinham e repetem acções, usam e abusam da simbologia dos números, dos espaços, dos objectos e recuperam a ideia de que um herói (ou heroína, porque também as há como se prova com o texto escolhido para a Madeira) ganha o direito à heroicidade graças ao seu próprio esforço ou por ter um auxiliar (animal, humano ou sobre-humano) capaz de o/a guiar.
Mas há contos em que o animal é o próprio herói, contos em que o “Macaco do Rabo Cortado” se vê envolvido numa sucessão de trocas e acaba a tocar viola e a cantar um refrão repetido desde há gerações – e por ser este um dos poucos contos tipicamente português, achámos por bem escolhê-lo para representar o Continente.
Do Romanceiro do Arquipélago da Madeira (de 1880), uma versão da “A Donzela que foi à Guerra” onde são sublinhados com imensa graça os atributos femininos (que podem “trair” a donzela num mundo masculino) e a facilidade com que a bravura, a imaginação e o engenho os encobrem. Quanto aos Açores, há sempre uma tendência para os associar a lendas, não só por serem as ilhas um espaço propício a todos os encantamentos e evasões, mas também por ser esta lenda muito sugestiva e visual: a “Lenda das Sete Cidades", a lembrar que um interdito quebrado pode levar a um castigo capaz de reactualizar cenários de caos e criação.
Os livros infantis são aqueles que mais fortemente nos marcam. Vê-los de novo, folheá-los, relê-los, pode equivaler a uma viagem no tempo, a um flashback capaz de nos transportar não só ao tempo como também aos espaços da nossa infância: espaços de cheiros, sabores e sons – ecos da infância que ainda hoje embalamos em nós."

Maria Teresa Meireles
(Investigadora em Literatura Tradicional)


in WWW.CTT.PT 


Data de Emissão: 07-05-2010


Design: Atelier Acácio Santos / Túlio Coelho
Ilustrações: António Modesto (Donzela que foi à Guerra), João Vaz de Carvalho (Macaco do Rabo Cortado), Teresa Lima (Lenda das Sete Cidades)
Agradecimentos: Eduardo Filipe, Maria Teresa Meireles, Rosa Barreto

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